
“O mais importante, pra mim, nisso tudo é poder mostrar pra sociedade que nós, trans, somos pessoas como outra qualquer e que merecemos respeito, dignidade e direitos”, nos confessou Alexia Vitória de Oliveira, bibliotecária no Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca - Cefet/RJ, campus Angra dos Reis.
Formada em 2006 no curso de Biblioteconomia pela UNESP Marília, ela nos contou sobre sua trajetória na UNESP. Foi mudando de ares, de estados, de hábitos que ela se transformou em quem é hoje: a primeira Bibliotecária Transexual do Brasil a ser reconhecida por um Conselho Regional de Biblioteconomia (CRB). O título veio através de uma nota emitida pelo CRB do Rio de Janeiro no início deste ano.
Paixão
“Sou uma verdadeira apaixonada pela UNESP”, declarou Alexia durante a entrevista. É mais do que perceptível o carinho e o entusiasmo que ela tem pelo período que estudou na universidade. Tanto que ela nos deu a permissão para conhecer - e contar - a história de um tempo em que ela era outra pessoa.
O primeiro contato com a possibilidade de estudar na UNESP veio de um amigo, que na época era estudante do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas, de São José do Rio Preto. “[Ele] começou a me falar sobre a UNESP e que seria muito bom pra minha vida como um todo ter uma formação universitária”, relembra Alexia.
O incentivo valeu a pena. Ainda naquele ano ela prestou o vestibular para o curso de Rádio e TV, na UNESP Bauru. Não deu.
“No ano seguinte resolvi me preparar para valer e, às vésperas da inscrição, resolvi que não queria mais área de comunicação. Foi quando Biblioteconomia me chamou a atenção e Marília não ficava muito longe da casa de meus pais. Prestei o vestibular, passei e resolvi encarar essa nova etapa da vida”.
Entre atividades extraclasses, esportes, ser bolsista PIBIC/ CNPq e a vida social unespiana, Alexia conta que conseguiu conciliar tudo aos estudos: “me formei nos 4 anos de duração do curso”.
Apesar de ter feito a transição de gênero há pouco tempo, Alexia afirma que foi na UNESP que teve um contato maior com essa possibilidade. “Por conta da dinâmica do câmpus, quase me libertei, mas por causa de questões familiares e sociais, acabei não o fazendo”, relata. Ainda assim, a graduação - para ela - foi um momento mágico.
“É por causa dela [da UNESP] que tenho minha formação e atuação profissional... O que me marca muito são amigos que trago até hoje e que não são poucos, os eventos esportivos - especialmente Jogos InterUNESP e, claro, as festas, que foram muito importantes para poder descarregar o estresse dos estudos e fortalecer os laços sociais”, declara.
O último contato da Alexia com a UNESP foi para garantir mais uma vitória: em março de 2018 ela solicitou a retificação do diploma, depois ter o registro civil também retificado, via ação judicial. “Liguei na semana retrasada no Departamento de Graduação da UNESP Marília e fui informada que o processo ainda está na Reitoria, mas que até novembro [o diploma] deve estar pronto”.
Quebra de paradigmas
Desde que se formou, Alexia Vitória tem atuado na área de formação. O primeiro emprego foi em março de 2006, quase dois meses após a formatura. Depois disso, trabalhou na iniciativa privada até agosto de 2008, quando saiu a aprovação no primeiro curso público - Prefeitura de São Paulo, no CEU Caminho do Mar.
Em 2012, Alexia tomou posse no Instituto Federal do Mato Grosso do Sul, onde ficou até dezembro de 2014. “Foi uma mudança de ares bastante radical, que me fez bem”, relata sobre essa experiência. Logo em seguida, foi empossada como bibliotecária no Cefet/ RJ, onde continua trabalhando.
Transição
“Me reconheço no feminino desde que tenho memórias, desde os 3 anos de idade”, confirmou a bibliotecária. Mas a transição de gênero é recente na vida de Alexia Vitória.
“Aqui no Cefet Angra dei início à minha transição física de gênero e conto com acompanhamento psicológico e endocrinológico. Acho importante eu sempre mencionar esses acompanhamentos, pois a grande maioria se hormoniza por conta própria e não tem apoio psicológico”, destaca.

"Chamo essa comparação da 'imagem como emblemática', pois pega meu visual de maior negação para meu momento mais Barbiezinha", comenta Alexia Vitória sobre a montagem com a sua transição. (Foto: Acervo pessoal)
Há três anos ela começou a terapia hormonal, já passou por procedimentos cirúrgicos e em junho deste ano, ela fez a readequação sexual. “Hoje eu não vejo problemas de estar em um espaço com outras meninas e trocar de roupa”, declarou em uma entrevista para o programa Profissão Repórter, que acompanhou seu processo cirúrgico.
Fora das estatísticas
Alexia é graduada, pós-graduada e está empregada na área de formação acadêmica. A realidade dela, no entanto, não é a mesma de outras mulheres trans. Segundo o dados da Associação Nacional de Travestis e Transexuais, 90% desta população não consegue encontrar um emprego formal. “Sou um ponto fora da curva”, disse a bibliotecária em entrevista para o Profissão Repórter. “Quando iniciei minha transição física de gênero, eu já era bibliotecária chefe”.
Perguntamos a ela sobre ações que podem tornar a UNESP mais inclusiva: “Adoção de banheiro neutro, pois é algo que atrapalha muito a vida de uma pessoa trans, especialmente mulheres. E campanhas contra transfobia e sanções a quem desrespeitar”, foram as sugestões.
Mas vale dizer que a UNESP já tem está se adaptando a esta realidade.
A UNESP foi a primeira entre as universidades públicas do estado de São Paulo a reconhecer o nome social para transgêneros. A norma foi aprovada em junho de 2017 e, além do nome social, ressalta a utilização da adequação de gênero.
A universidade também conta com Educando para a Diversidade, projeto que reúne uma série de ações para promover o debate sobre inclusão e diversidade no meio universitário, integrando atividades com a comunidade externa, como o programa homônimo produzido e divulgado pela TV UNESP.