
Foto: Paulo Rogério Ribeiro
Bianca Maretti é bacharel em Música com Habilitação em Regência Orquestral pelo Instituto de Artes (IA) da Unesp, câmpus de São Paulo. Desde de sua entrada no instituto, a jovem tem se desenvolvido e ampliado suas fronteiras no mundo da Música. Ela realizou uma pesquisa de mestrado sobre questões de gênero envolvendo a profissão de regente na Sorbonne (França) e, atualmente, está no doutorado na mesma instituição. Tudo isso ocorreu sem nunca largar sua atuação como regente.
Bianca é regente assistente em uma orquestra e um coro da Académie du Palais Royal em Paris e, também, estuda em outros conservatórios musicais da cidade francesa. A jovem afirma que a Unesp lhe forneceu um conhecimento que ela utiliza até hoje. Segundo ela, principalmente na área de Música, acabamos acreditando que escolas europeias estão em um patamar superior às instituições brasileiras e não percebemos o enorme valor acadêmico que possuímos. A regente conta que a Unesp supriu todas as demandas de conhecimento que precisava para encarar um mestrado nessa área e destaca o importante valor dos docentes do IA.
Para Bianca, o corpo docente do IA é não só uma referência, mas uma rede de apoio. Em entrevista à equipe do Portal Alumni, ela destacou como a atenção e dedicação dos professores causaram impactos positivos em seu desenvolvimento. Além disso, a regente também comentou sobre o preconceito relacionado às mulheres em posição de liderança, sua trajetória pessoal, suas saudades da Unesp e sua relação com a Música.
Você pode nos contar um pouco sobre sua trajetória e como surgiu essa paixão pela área de música?
No meu caso, meu interesse pela música começou porque tinha um piano na casa da minha avó. Tanto meus pais, quanto meus avós, as gerações mais próximas de mim não tinham tanto contato com a música, mas eu tinha uma bisavó que foi pianista. Enquanto eu era criança, por curiosidade fui encostando no piano, querendo tocar e meus pais perceberam que me interessei e me inscreveram em aulas quando eu ainda tinha apenas 5 anos. Essas aulas acabaram não funcionando muito bem, porque eu não tinha muita disciplina nessa época. Na pré-adolescência, encontrei uma professora de Música na escola e toquei uma peça no piano para ela, que tinha aprendido há muitos anos e ela me incentivou a voltar a estudar o instrumento.
Neste momento, comecei a fazer aulas particulares, fui me interessando muito e a Música foi se tornando uma atividade importante na minha vida. Estudei em um Conservatório na Vila Mariana. Enquanto fazia aulas de piano, fui me interessando ainda mais e comecei a fazer mais todas as aulas que o conservatório me propunha: História da Música, Teoria e Violoncelo. Fui me apaixonando aos poucos, não foi um estalo de um dia para o outro. Devido a esse interesse pela música de modo geral acabei indo para a regência.
Como eu me interessava por várias áreas da Música, acho que a regência foi um jeito, na minha cabeça, de reunir tudo numa única atividade. Outra característica que me atrai é trabalhar coletivamente, invés de estudar um instrumento sozinha, por exemplo, esse foi um dos motivos pelos quais escolhi a Regência.
Do que você sente mais saudade na Unesp?
Agora, que vivo na França há alguns anos, percebo que minha maior saudade do tempo na Unesp, foi a relação que tive com os professores e a maneira como eles se dedicavam aos alunos, o corpo docente do IA é incrível. A gente consegue perceber na forma como eles nos ensinam e preparam os cursos, mas também fora da sala de aula, quando tomam um café conosco na cantina. Eles se interessam pela nossa evolução pessoal e profissional, então isso se torna uma rede de apoio.
Na verdade, caiu bem essa pergunta porque na semana passada, infelizmente, perdemos um professor importante do IA, o Fábio Miguel, que dava aulas de Coral e Técnica Vocal. Com certeza, ele era um dos grandes exemplos de alguém que estava sempre se dedicando mais: mais tempo, mais energia, mais engajamento, tudo isso para ajudar os alunos. Graças a professores como ele que nós, discentes, conseguimos um ir mais longe do que a gente teria conseguido sozinho, sem essa rede de apoio.
Por qual motivo escolheu a Unesp?
A razão pela qual escolhi a Unesp, é que quando estava me preparando para entrar em um curso de Música, entrei no cursinho pré-vestibular gratuito da Unesp, o Da Capo. Esse é um projeto importantíssimo que tem aberto portas para que um público mais diversificado pudesse entrar na Unesp e desenvolver uma base musical.
Então, como eu ia toda semana para o câmpus do IA, para me preparar para o vestibular, acho que desenvolvi uma e relação com o espaço, com as pessoas que estavam lá. Fui me sentindo acolhida. Então, com certeza, foi uma das grandes razões pelas quais escolhi a Unesp.
Você sente que essa experiência unespiana contribuiu para seu desenvolvimento pessoal e profissional?
Com certeza, quando eu entrei, tinha acabado de sair do ensino médio, estava muito “verde”, tinha pouco conhecimento sobre a área que escolhi. Foi uma experiência necessária, foram cinco anos extremamente importantes para mim, para minha vida e meu desenvolvimento profissional. A Unesp me deu a base sobre a qual estou fundando todos os meus conhecimento e minhas atividades até hoje, enquanto regente e como musicóloga também.
Vejo que ainda utilizo o que aprendi naquele momento, às vezes muito além do que eu tenho aprendido aqui, em um país europeu que é fortemente considerado como referência da música erudita. Percebo que aprendi na Unesp está além do que eu teria aprendido se tivesse nascido e estudado aqui.
Outro ponto importante da Unesp, é que os professores nos fazem abrir os olhos para a realidade que está em volta de nós, como questões políticas e questões de desigualdade. Foi um momento de florescimento intelectual para mim, mas também social e político. Sou muito grata à Unesp, porque ainda carrego comigo esse olhar mais crítico e reflexivo.
Como foi a experiência de fazer o mestrado na Sorbonne?
Foi uma experiência interessante e difícil, por estar em um país estrangeiro, com uma língua estrangeira, mas também super importante, tanto que continuo vivendo na França, estudo e trabalho aqui.
Uma das coisas que gosto de dizer para quem me pergunta sobre os meus estudos aqui, é que embora a gente sinta que a Sorbonne é muito maior que nós, que é um lugar impossível de chegar, isso é não verdade. Não querendo desmerecer a Sorbonne, é uma instituição incrível e fico feliz de continuar estudando aqui, mas sinto que existe uma tendência no Brasil, especialmente nos estudos de Música, de pensar que a gente está abaixo das instituições européias, de pensar que a gente não tem o mesmo nível, que não temos o conhecimento necessário para entrar aqui, isso tudo não é verdade.
Com os meus cinco anos na Unesp, cheguei aqui com uma bagagem super importante e serviu para embasar meu mestrado. Claro, que uma mudança para o exterior depende de condições financeiras e emocionais que estão necessariamente atreladas com experiência, mas quem quiser vir e tiver como, acho que tem que tentar mesmo, pode ser uma experiência muito interessante como foi para mim.
No mestrado, pesquisei sobre mulheres regentes, quando estava aqui queria fazer uma pesquisa que fizesse sentido para minha prática musical e, também, que se encaixasse com a minha volta para o Brasil. Porque eu tinha parado o curso de Regência no IA no quarto ano, ao voltar para o país continuei a minha pesquisa. Em 2017, quando voltei, foi uma experiência incrível porque a regente, regente assistente e uma das regentes convidadas da OSESP (Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo) eram todas mulheres.
Então tinha tudo para dar certo com a minha pesquisa, fui analisando concertos daquele ano e observando como o fato de ter uma mulher como regente influenciava as relações com os músicos de uma orquestra.
O que está fazendo atualmente, nos conte um pouco sobre seu trabalho/estudo?
Terminei o mestrado já faz algum tempo, dei uma pausa nos estudos acadêmicos, continuei estudando Música, Regência e piano, em vários conservatórios de Paris com vários professores diferentes.
Agora, voltei para a academia e estou fazendo doutorado na Sorbonne, fui aceita em um processo seletivo de bolsa, tive uma grande sorte. Enquanto isso, continuo estudando Regência Coral CRR de Paris (Conservatório Regional de Paris) e estudo Regência Orquestral na École Normale de Musique de Paris, ao mesmo tempo também sou Regente Assistente na orquestra e no coro da Académie du Palais Royal. Então, são várias atividades acontecendo ao mesmo tempo, mas isso faz parte da profissão de regente.
Fui informada que há um certo preconceito com mulheres na posição de regência, isso teve impactos em sua trajetória? Como avalia essa questão?
Essa é uma questão importante e atual, que não diz respeito só a regência, mas que tem haver com muitas posições de liderança. Eu sinto que teve sim, um impacto na minha trajetória, mas menor do que poderia ser. Percebo que sou uma pessoa bastante privilegiada, pela cor da minha pele, pela minha situação financeira, pelo apoio emocional que tive em casa, enfim... Mas posso dizer que teve um impacto sim, nas escolhas que tenho feito, nas coisas que escuto. Às vezes são coisas pequenas, tenho impressão que muita gente sente que essas coisas pequenas podem não nos influenciar, mas percebo que por mais que seja discreto, ainda existe um preconceito que tem influenciado muitas mulheres que também querem ser regentes.
O assunto tem aparecido muito na mídia e há melhoras de alguns anos para cá, mas é uma questão em aberto que ainda deve ser discutida e resolvida. Acho que a gente tem que continuar compartilhando experiências entre nós mulheres e nos ajudando.
O que você deseja para seu futuro na música?
Difícil saber o que desejo para o meu futuro da música, eu gosto de muitas coisas. Ainda não sei ao certo, se eu pudesse ter um desejo seria que alcançassemos um futuro mais justo e mais igualitário, entre gêneros, raças e questões LGBTQ, que as pessoas possam ter mais oportunidades de forma justa.