
Alisson Antonio Amador é autodidata em música desde seus 10 anos. O artista tem uma trajetória extensa no mundo da Música e a Unesp fez parte desse caminho. Alisson fez graduação, mestrado e é doutorando no Instituto de Artes em São Paulo. Atualmente, ele acaba de lançar o álbum “Silêncio no Caos''. Em cada faixa desse disco solo, o artista toca um tipo de instrumento: violão, vibrafone, percussão ou viola brasileira.
O músico conta que gravar obras autorais é um dos seus sonhos e metas de vida. Além disso, ele também sonha em lecionar Música na Unesp, que é, para ele, uma segunda casa. Como artista, Alisson conta que é muito ligado ao momento presente e a percepção do seu entorno, ele comenta sobre a necessidade de “ouvir” tanto o outro quanto o mundo ao nosso redor. As músicas do álbum podem ser escutadas pelo Youtube, como a música “Pai”.
Essa sensibilidade é traduzida através da música e também por meio da escrita do seu livro “Entre o Silêncio e o Som” de 2019. Essa obra, foi publicada pela Editora Gráfica Heliópolis e traz reflexões, poemas e aforismos. Além disso, o artista também atua como compositor, arranjador, produtor musical e produtor de eventos culturais.
O músico é morador de uma das maiores favelas do Brasil, Heliópolis, em São Paulo capital. Segundo Alisson, um de seus maiores incômodos, a falta de silêncio em sua comunidade foi o que acabou inspirando o título de seu novo álbum. “Carros com equipamentos de som ensurdecedores, bailes na rua, bares abertos até altas horas” fazem parte de sua realidade dia e noite, como ele conta. A maior parte das composições do “Silêncio no Caos” foram feitas em sua casa, no meio dessa poluição auditiva.

Capa do Álbum lançando pelo músico em 2021. Créditos da imagem: Alisson Amador e Andressa Moraes (artista visual).
Alisson afirma que mesmo com as dificuldades financeiras, ele não desistiu de ingressar no programa de mestrado. Seus professores o estimularam muito a seguir esse sonho “falavam que seria importante ter alguém na Pós-Graduação da Unesp que veio de uma favela e que trabalha com diversos segmentos musicais. Isso foi um grande incentivo”, explica.
Ele foi um estudante dedicado durante o curso, afirma que o contexto de sua vida o auxiliou a entender o valor do curso de bacharel em uma Universidade Pública. Além da Unesp, ele também é formado em violão popular pela Escola de Música do Estado de São Paulo (EMESP). O músico também já participou de diversos projetos do Instituto Baccarelli como: Orquestra do Amanhã, Coral Juvenil e Orquestra Sinfônica Heliópolis e, atualmente, tem mais de 390 composições escritas em diversas vertentes musicais.
Sobre o álbum “Silêncio no Caos”, Alisson conta sobre a música ‘Cemitérios Indígenas’, que tem a participação do pensador Ailton Krenak, que é um líder indígena, ambientalista, filósofo, poeta e escritor brasileiro da etnia indígena crenaque. O músico afirma: “nessa faixa, fiz o que chamo de “A Música da Fala”, um tipo de trabalho já realizado por Hermeto Pascoal. Por trabalhar com choro, samba, música contemporânea, música orquestral, canções, improvisação, o resultado final foi um disco bem híbrido, que classifico como um álbum de Música Instrumental”
O músico conversou com a equipe do portal Alumni sobre sua paixão pela Música, sua relação com a Unesp, sua trajetória e seus ideais. Confira a entrevista abaixo:
Qual a sua relação com a música?
Seria o mesmo que perguntar qual a minha relação com o ar, com a vida, ou seja, é uma relação constante, uma atividade fisiológica, essencial, sem a música eu não teria sobrevivido a este mundo tão barulhento. De onde venho, a música é uma das principais atividades terapêuticas. Além disso, componho muito e isso também é uma relação diferente, ou seja, a relação com a criação. A criatividade e a sensibilidade, dentro da nossa sociedade, têm a tendência de morrer na medida em que vamos crescendo. A arte é um lugar onde podemos cultivar e desenvolver nossa criatividade e sensibilidade.
Faço a famosa arte da alquimia, consigo transformar sofrimento em algo “bonito” e que pode inclusive combater ou diminuir o sofrimento de outras pessoas. É realmente um milagre passar por algo traumático na vida, transformar em música e essa música ajudar o coração de outras pessoas. Parece algo “romântico”, “sonhador” para quem dedica muito a vida para questões intelectuais e esquece as atividades do coração, mas na vida “real”, com o povo que não tem onde conseguir conforto, a música faz esse papel, ela é um refúgio.
Por que escolheu cursar Música na Unesp?
Descobri que poderia fazer faculdade de Música no 3º ano do ensino médio. A escolha pela Unesp ocorreu pelo fato de ser impossível pagar uma faculdade particular. Por isso estudei muito pra poder entrar. Fiz alguns vestibulares para violão e não passei. Entrei quando prestei para Composição e Regência e, depois, fiz outros vestibulares para entrar no curso de Percussão.
Terminei a graduação e continuei como Compositor Residente do Grupo Piap (Grupo de Percussão do Instituto de Arte da Unesp). Posteriormente, entrei para o mestrado e agora estou no doutorado. Tenho vontade de dar aulas em faculdades, principalmente na Unesp que é praticamente a minha casa. Gosto de dar aulas para grupos grandes de pessoas, tenho prazer nisso. Além disso, mantenho uma vida musical muito ativa, tocando, gravando e queria equilibrar isso com atividades universitárias.
Como foi a graduação para você? Quais as dificuldades e maiores saudades?
A graduação foi uma grande escola. Teve um pouco de choque cultural com outras pessoas, mas foi muito importante para mim esse contato. As dificuldades não eram tão fortes assim porque já fazia um bom tempo que eu estudava música, ou seja, as matérias e as práticas musicais eram na maioria das vezes prazerosas. Sou uma pessoa muito estudiosa, era um dos alunos mais velhos da turma. Tive muitas dificuldades para entrar na universidade e isso me deu sensibilidade para dar valor à graduação, às pessoas, aos conteúdos ensinados, a todos os momentos: risadas, brincadeiras, concertos, ensaios, tudo...
Como foi a decisão de entrar para o mestrado?
Não sou uma pessoa que teve uma grande facilidade com a escrita, inclusive minhas notas de redação no vestibular não eram boas. Essa relação com a escrita era uma das coisas que me desanimava a entrar no mestrado, mas as pessoas próximas, professoras e professores falavam que eu poderia seguir no caminho acadêmico e que isso seria importante pra mim e para a Universidade. Essas pessoas falavam que seria importante ter alguém na Pós-Graduação da Unesp que veio de uma favela e que trabalha com diversos segmentos musicais. Isso foi um grande incentivo.
E a decisão de ir para o doutorado?
Depois do mestrado fiquei bem cansado, não tive bolsa durante um ano e isso foi bem difícil para mim. Apesar de ter essa dificuldade financeira, o mestrado não foi tão difícil como imaginei e cheguei até a publicar um livro durante meu primeiro ano de estudo. A pandemia deu uma freada nas atividades musicais e com isso consegui escrever e entregar o trabalho “adiantado” conforme a data que marquei com meu orientador. Deu tudo certo, mas ainda tinha dúvidas de seguir com doutorado no ano seguinte, fazer as provas etc. Mas o que me animou foi a ideia que sempre tive de trabalhar como professor, dar aulas e tudo que falei anteriormente. No mesmo semestre que defendi o mestrado, fiz a inscrição e prova para o doutorado. Passei e agora estou no primeiro ano.
Qual a motivação de criar um álbum solo, o que você pode nos explicar sobre este projeto?
Meu sonho, meta de vida, é gravar o máximo de obras autorais possíveis. Como isso demanda muito dinheiro, acabo compondo muito mais do que gravo. Mas também não tem problema, o lance é trabalhar com arte, servir a música que é muito maior do que nós. Então se eu tiver compondo, arranjando, tocando ou ensinando música pra alguém, está tudo certo. Faço muitas atividades musicais, mas este disco ocupa um lugar muito especial pra mim. Ele é composto praticamente de músicas que toquei no meu recital de formatura da graduação em percussão. São composições solo e gosto muito de tocar e ouvir peças solo. Além disso, são composições que não se encaixam em um determinado gênero musical, são músicas “instrumentais” e isso é minha grande satisfação. Compor e tocar livremente sem me preocupar qual gênero a música pertence, se é choro, samba, música europeia, bossa nova, música nordestina etc. É tudo isso ao mesmo tempo. Minha vida é este encontro de gêneros musicais, pessoas de diferentes lugares e vivências e a música que faço reflete tudo isso de forma orgânica, sem esforço.
Quais seus planos para o futuro?
Penso muito em morar em um lugar mais silencioso, gravar discos, tocar, dar aulas em faculdades, escrever mais livros, ajudar as pessoas, lutar pelas minorias etc. Mas isso tudo com uma dose bem alta de tranquilidade. Não sou uma pessoa que deseja muito as coisas, penso que se morrer hoje, morro tranquilo, fiz o que pude para ser uma pessoa melhor e procurei contribuir para a diminuição do sofrimento no mundo. Acho que essa é uma meta constante, minimizar o sofrimento do mundo através da arte e das minhas ações. Gosto de viver o presente, tento ao máximo “ver” o mundo como ele é agora. Ficar pensando muito no futuro ou no passado atrapalha a percepção de ver o que realmente está acontecendo agora. Não quero dizer que não planejo coisas ou que não estudo o passado, mas apenas que meu foco principal é no presente. O que posso fazer hoje?
Tem dicas para os atuais graduandos de Música na Unesp?
Tenho sim. Acho que vivemos uma geração em que as pessoas “sabem muito” e com isso acabam não ouvindo muito, principalmente se a mensagem tiver vindo de alguém que elas discordam em algum assunto. A dica que tenho é baseada na própria experiência. Minha principal terapia é a música e o silêncio. “Ouço” muito a vida, as paisagens, a cidade, a natureza, o ambiente e ouço, também, as pessoas. Esses são os sons “externos”. Além disso, ouço muito minha intuição, mas pra isso tenho que fazer silêncio. Vocês que estão cursando a graduação, ouçam, ouçam tudo, abram espaço na cabeça de vocês, para isso façam silêncio (interno). Silêncio é espaço e é através dele que as coisas se manifestam. Sem silêncio-espaço não há matéria, não há música, não há relações e, viver é se relacionar (com o mundo e com as pessoas), sem silêncio-espaço não há vida.
Outra coisa que posso falar é que existem dois tipos de conhecimento: o que é percebido pelo intelecto – vocês vão receber muito dele na universidade –, mas há um outro tipo de conhecimento que é percebido pelo coração. Sabe aquela “conversa silenciosa” com um mestre de capoeira, uma avó benzedeira ou uma pessoa espiritualizada? Nessas conversas a gente recebe outro tipo de conhecimento e o que peço pra vocês é: não saiam da universidade desmerecendo essa forma de aprendizagem. A universidade pode trazer muitas coisas boas e transformar a vida de vocês, mas não deixem que isso leve vocês para o caminho do egoísmo ou da soberba.