
Jaquelini de Oliveira Zeni é professora na Universidade Estadual de Minas Gerais (Uemg) e estuda como o desmatamento prejudica as espécies de peixes em riachos. As suas pesquisas sobre o tema começaram durante sua graduação em Ciências Biológicas no Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas (Ibilce) no câmpus da Unesp em São José do Rio Preto. Onde ela também cursou o mestrado e o doutorado no Programa de Pós-Graduação em Biologia Animal. A cientista também é pós-doutora pelo Departamento de Ecologia da Unesp de Rio Claro.
Jaquelini destaca que a Biologia e a Ecologia sempre dialogaram com a sua curiosidade. No começo de suas pesquisas, se interessou pela vida aquática dos riachos. “Esses locais são corpos de água pequenos que escondem muitas espécies de peixes, que a maioria das pessoas nem imagina. Então, foi mergulhada nesses ambientes cheios de segredos que eu pude fazer perguntas que me interessavam e que eram relevantes para a Ciência e, assim, buscar as respostas”, ressalta.
Algumas de suas pesquisas foram na região Noroeste do Estado de São Paulo. Devido ao alto desmatamento, a área possui cerca de 4% da vegetação nativa em pequenos fragmentos florestais degradados, como explica a egressa. “Minhas pesquisas buscam entender quais são os impactos que as alterações no ambiente terrestre, principalmente o desmatamento, podem causar nos córregos e nas comunidades de peixes que estão ali. Riachos dependem da floresta de entorno (conhecida como mata ciliar), para se manterem protegidos e heterogêneos, ou seja, com diferentes tipos de habitats e várias espécies de peixes”.
Jaquelini explica que todos os elementos presentes em um ecossistema estão interligados entre si. “Por exemplo, um galho que caiu de uma árvore pode criar um local com profundidade em um riacho, que pode acumular folhas e ser um lugar para algumas espécies de insetos aquáticos se esconderem. Logo, os peixes que comem insetos podem achar alimento nesse local. Outras espécies de peixes podem achar o tronco um bom lugar para se esconder ou comer algas. Essas oportunidades só existem porque a floresta ciliar está ao redor do córrego. Quando essas florestas são desmatadas, o galho não existe mais e as espécies que encontravam comida e abrigo nesse local, geralmente são extintas”, exemplifica.
A pesquisadora afirma que a destruição da vegetação também deixa os riachos sem variedade de espécies, porque muitos peixes são extintos. Seus estudos permitiram concluir que o deflorestamento passado, ao exemplo dos anos de 1980, ainda afeta a vida aquática no presente. “Os riachos em regiões de desmatamento mais antigo e mais forte são os que têm menos espécies de peixe e essas espécies são muito parecidas entre si”, destaca.
A bióloga explica que as espécies que sobrevivem são chamadas de generalistas. Essas geralmente não precisam de um habitat ou de um recurso alimentar específico. Entretanto, os mais resistentes também podem acabar morrendo caso o desmatamento na área continue.
Consequências
Em 2013, a cientista revisitou locais de pesquisa utilizados por sua orientadora havia em 2003, na região Noroeste do Estado de São Paulo. O espaçamento de uma década foi suficiente para que alguns riachos parassem de existir.
“Trata-se de uma região impactada pelo desmatamento antigo e intenso. Nesse período de 10 anos, a pastagem foi gradativamente substituída por cana-de-açúcar”. Ela também afirma que alguns dos riachos se tornaram menores e rasos, com fundo arenoso e dominado por plantas gramíneas. Além disso, as espécies de peixes mostraram uma diminuição significativa.
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Egressa em trabalho de campo. Foto: arquivo pessoal da entrevistada.
“Apesar de pequenos, os riachos são abundantes e contribuem com um volume de água enorme para os rios de grande porte. Quando falamos de ecossistemas aquáticos, estamos falando de um sistema interligado. Então, a diminuição do volume de água ou a perda de um riacho pode levar à redução da quantidade de água em rios maiores, responsáveis pelo abastecimento de muitas pessoas no Brasil”.
Jaquelini afirma que um levantamento recente mostrou que o Brasil perdeu cerca de 15% da superfície de água desde 1990. “Isso quer dizer, que perdemos água para o abastecimento da população, navegação, irrigação de lavouras e sem água, nós certamente teremos problemas econômicos e sociais gravíssimos”, alerta.
A cientista destaca que a sobrevivência dos peixes também afeta os seres humanos. Esses são predadores naturais de larvas e insetos, como os mosquitos que são vetores de doenças como dengue, malária e febre amarela. Outro impacto negativo é que alguns peixes servem de alimento para comunidades ribeirinhas que pescam para sua subsistência.
Responsabilidade
A pesquisadora afirma que as leis ambientais precisam estar em consonância com a Ciência. “Na maioria das vezes, as leis que protegem esses ecossistemas não têm embasamento científico e na prática elas não garantem a sustentabilidade a longo prazo dos riachos e das espécies. Por exemplo, o atual Código Florestal reduziu consideravelmente a proteção das áreas ripárias [regiões com vegetação e cursos d'água] porque regulariza atividades já desenvolvidas nesses locais e delimita uma largura mínima insuficiente para a proteção dos corpos d’água”, afirma.
A egressa contesta a visão de que a proteção dos ecossistemas prejudica o crescimento econômico. Ela ressalta que existem áreas agrícolas que têm seu potencial produtivo reduzido devido ao manejo incorreto.
“Por exemplo, o desmatamento na Amazônia ocorre, em grande parte, para pastagens e criação de gado. Entretanto, o solo amazônico é arenoso e empobrecido, a floresta é responsável por mantê-lo rico. O deflorestamento deixa o solo pobre e seu potencial de produção é reduzido. Nesse sentido, é mais lucrativo preservar a vegetação. Além disso, a floresta Amazônica é responsável pelo regime de chuvas no Sul, Sudeste e Centro-oeste do Brasil, onde há alta produção agrícola que depende dessas precipitações”, informa.
A pesquisadora afirma que além da criação de leis efetivas e fiscalização, disponibilizar conhecimento para a população também é uma forma de garantir a proteção do meio ambiente.
Primeiro contato e relação a Unesp
Jaquelini conta que cresceu no interior e é filha de agricultores familiares. Apesar de seus pais não terem tido acesso à educação formal, sempre a incentivaram a estudar. Ela conta que em sua cidade havia uma única escola pública e que a tendência era concluir o ensino médio e tentar entrar direto para o mercado de trabalho.
O seu contato inicial com a universidade foi por acaso. “Na época, a Unesp tinha um programa de incentivo às licenciaturas e uma das medidas era a distribuição de uma inscrição para cada escola pública do estado e o meu colégio recebeu uma que chegou até mim. Assim, me inscrevi no vestibular do câmpus mais próximo da minha casa, que era a Unesp de São José do Rio Preto e escolhi Ciências Biológicas”, relembra.
A cientista conta que não conhecia o câmpus e o curso, apenas sabia que se tratava de uma universidade de qualidade. Ela não passou neste vestibular, mas a oportunidade foi suficiente para ela se motivar e continuar tentando.
“O curso de Ciências Biológicas em São José do Rio Preto era e ainda é muito bem estruturado e bem avaliado por diversos indicadores nacionais e internacionais. Na minha época já havia moradia estudantil, o que foi importante porque eu precisava dessa e de outras políticas de permanência estudantil. Passei em 2006, durante o período, morei na moradia e recebi bolsa para estudantes carentes. Então, além de filha de agricultores, sou ‘filha’ também das políticas de permanência estudantil da Unesp”, declara.