Dodô: “A universidade pública é a nossa própria vida” | Alumni Unesp
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Publicado em:
05/10/2018
05/10/2018
Tempo de leitura: 10 min

Dodô: “A universidade pública é a nossa própria vida”
Ex-aluno conta sua experiência na UNESP entre o jornalismo e a educação


“Voltar para a UNESP é como voltar para casa”. De fato, a UNESP tem disso. É uma universidade que te recebe e te acolhe ainda nos primeiros anos de graduação. E foi com este sentimento que Douglas Calixto - Dodô Calixto, como prefere ser chamado - iniciou a palestra na Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação (FAAC), da UNESP Bauru.


Dodô é jornalista “da casa”, mestre em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo. Sua tese de mestrado, "Memes na internet: entrelaçamentos entre Educomunicação, cibercultura e a 'zoeira' de estudantes nas redes sociais", foi reconhecida como melhor Mestrado em Comunicação da USP em 2017 e recebeu o Prêmio "Francisco Morel" de melhor mestrado do Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação 2018 (Intercom).


Fora a vida acadêmica, Dodô foi repórter do Opera Mundi, um portal de notícias internacional; participou do “Aula Pública”, programa realizado pela TV UNESP em parceria com o Opera Mundi. Hoje é Diretor de Comunicação na Associação Brasileira de Pesquisadores e Profissionais da Educom (ABPEducom).


Nosso encontro com Dodô Calixto aconteceu no dia seguinte a sua palestra na FAAC, em agosto, onde falou sobre sua trajetória e a realidade do jornalismo. Durante a apresentação, Calixto destacou que a “cultura do compartilhamento faz diferença no mercado de trabalho”. Isso porque, para ele, a educação não se restringe ao espaço formal - salas de aula, por exemplo. O contato, as trocas, a vivência com colegas que vieram de outras cidades também ajudaram-no a expandir a experiência cognitiva durante a graduação. “Tem alguns cursos que tem uma relação muito instrumental com a educação. Eu acho que a graduação na UNESP foi muito fundamental porque transcendeu isso”, comenta.


Mais do que falar sobre formação e jornalismo, conversamos sobre as mudanças no mercado de trabalho da comunicação, como essas mudanças estão afetando as pessoas, a importância da universidade pública e o futuro. O resultado deste bate-papo, você confere a seguir:


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Alumni UNESP: Para começar a entrevista, a gente sempre pergunta sobre como foi a sua experiência na UNESP, então, conte-nos um pouco sobre a sua trajetória.

Dodô Calixto: Ao falar da UNESP é inevitável não falar da convivência. Eu acho importante [mencionar a convivência], embora a gente tenha uma tendência a pensar que educação é apenas o espaço formal, a sala de aula, mas não é. Para quem veio de fora - no meu caso, eu vim de São Paulo e morei com uma galera de Campinas, São José dos Campos, Santo André, Jaú - essa experiência, o contato, as trocas foi algo muito marcante na minha graduação porque ajuda a expandir a experiência cognitiva, a construir outra forma de ver o mundo. E eu acho que isso acaba tendo um desdobramento na sala de aula, na faculdade, no contato com os professores. É uma forma de engajamento, né.


Tem alguns cursos, principalmente em São Paulo, que tem uma relação muito instrumental com a educação. O que isso significa: você chega, senta em uma cadeira, espera que o conteúdo chegue; o professor está ali para transmitir o conhecimento e isso se encerra ali, em duas horas de aula. Eu acho que a graduação na UNESP foi muito fundamental porque transcendeu isso.


Isso foi muito marcante, não só para mim, mas acho que para toda a geração. Tiinha vários professores que estimulavam essa cultura da participação, do diálogo, do engajamento. Da minha turma, muita gente participava dos projetos, saia por Bauru para fazer rádio, fazer jornal… enfim. Se eu pudesse resumir a minha trajetória, eu diria que a convivência foi o mais importante.



E sobre os projetos e atividades?

E claro, eu fui Diretor de Projetos da Jornal Júnior e fizemos uma gestão histórica da empresa júnior!


Inclusive eu vi o pessoal postando esses dias “12 anos de Jornal Júnior”. Mentira. O projeto, em 2008, estava abandonado. Não sei se esqueceram de contar essa parte da história, mas a verdade é que nesta época a empresa júnior não fazia nada. E foi a minha gestão - a gente fala que foi a primeira e única gestão marxista da Jornal Júnior - que colocou a galera para trabalhar, fazer cobertura na cidade… A gente fez um trabalho, uma vez, com o JC; foi um suplemento inteiro para o jornal; em 2009, a gente fez a cobertura do Intercom, fechamos uma parceria com a organização e fomos uma das agências que produzia conteúdo sobre o congresso. A gente foi para Santa Catarina, fazer uma cobertura lá.



Tudo isso em um ano?

Tudo isso em um ano, gestão 2008/ 2009. Foi uma experiência bem legal!


E também fiz parte da Rádio UNESP Virtual, fiquei até chateado quando soube que ela tinha caído. Foi um projeto marcante, a gente fazia muita coisa legal, experimental, tinha um site, todo mundo era bolsista… Pô, em 2008, você ganhava R$ 250,00 e isso fazia muita diferença. E era muita gente, era um programa gigante, eu fazia um programa de esporte, e essa foi uma experiência bem legal.


Fora os outros, a WebTV, eu fiz parte do Voz do Nicéia.


Tem uma coisa que hoje eu falo para os alunos - eu dou aulas para a molecada do ensino médio - que é: “lembra de um dia marcante da sua vida na escola; rápido, não fica pensando muito”. E geralmente ninguém vai lembrar do dia que aprendeu fração ou sobre a Revolução Francesa; quando você pensa em um momento mais marcante ele tem relação com os afetos, com as coisas que você fez porque isso é educação, né. E por isso que eu acho que a experiência é importante.



Gostaria que você comentasse sobre a experiência que você teve com os projetos da UNESP, que ajudaram toda a sua geração a ter uma relação melhor com o mercado de trabalho porque entendia o que era a coletividade e a importância da cultura do compartilhamento.

Quando eu falo cultura do compartilhamento - em 2008, 2009, a internet não era o que é hoje, isso é um fator muito significativo, a gente não tinha smartphone, sabe? Então a gente tinha que conversar mais, a gente tinha que fazer as coisas de uma forma mais coletiva.


Você tinha que lidar com a diferença, com o contraditório. E isso, somada a ampla rede de projetos que tinha aqui, criava um ambiente muito criativo e inovador. E isso foi a minha geração, não fui eu. Todo mundo tinha algum tipo de envolvimento com algum projeto, fazia alguma coisa, trocava informação.


Eu lembro que o Mauro, não sei se ele ainda passa o Extra, aquele jornal-mural que cola na parede… Esse tipo de atividade, que parece uma atividade “bobinha”, se transformava em algo politizado, que a gente tentava ocupar o espaço.


Essa cultura do compartilhamento, de estar junto, foi resultado de vários fatores: tinha que a gente morava junto, que a gente se encontrava o tempo inteiro, que os professores incentivavam a gente a participar de projetos, os projetos eram colaborativos.



Pensar em um estudante que, ao mesmo tempo, é da Jornal Junior, Centro Acadêmico e a Atlética, já que você jogava futebol no Inter, é algo muito complicado por conta da polarização até política que existe entre os três grupos hoje no câmpus. Como você conciliava a atuação nesses três espaços?

De fato, hoje está muito polarizado e é difícil transitar em diferentes áreas. No Centro Acadêmico eu não tive muito envolvimento, participava das reuniões por conta de um amigo que era uma das principais lideranças,o Pastor. Essa polarização também tinha na minha época, mas 4

era diferente. Que nem, eu sempre joguei bola e não ia deixar de jogar por conta da Atlética ou o “ah, Dodô virou coxinha”.


Essa é uma coisa que mudou: a segmentação, os rótulos, a dificuldade estar em diferentes áreas sem ter um prejuízo pessoal… Eu acho isso ruim, você transporta para a sua realidade uma coisa que está acontecendo num cenário geral que vai contra àquela ideia da cultura do encontro, da participação, do debate, entendeu? A diferença e a convivência são importantes. Quando eu falo diferente, eu falo numa boa e não em um fascistóide. Você tolera quem é tolerante.



Ontem, durante a sua fala na FAAC, você comentou sobre os aspectos socioculturais de estudar na UNESP. O que você quis dizer sobre isso?

O que está acontecendo com o mundo hoje é algo socialmente construído. A gente tem uma tendência a individualizar o nosso sofrimento, a nossa dor, as nossas angústias, tratar como se fosse algo pessoal.


Quando eu falo de aspectos socioculturais, eu me refiro a um cenário mais amplo que acaba tendo consequências para o nosso dia-a-dia. Por exemplo a aceleração do tempo. Você começa a segunda feira e quando percebe “pô, já é sexta? Nossa, não fiz o que eu queria fazer, eu poderia estar lá e não estou”... É essa sensação de que você sempre está um passo atrás e você se acostuma a jogar essa frustração na sua conta pessoal - “eu não me organizo bem”, “preciso me planejar melhor”, “preciso comprar um equipamento tal”, “preciso melhorar”. Esse é um aspecto sociocultural que é socialmente construído para pressionar o indivíduo se responsabilizar.


É um papo muito louco, tem que ler muito na filosofia, na sociologia para entender tudo esse conceito de aceleração do tempo.


Por que eu tô falando isso?


Na formação do jornalista isso está no centro da questão. Hoje o jornalista é a empresa de si mesmo, ele tem que emitir nota, tem que estar com o equipamento dele, tem que pensar em como ele vai administrar o dinheiro, a pauta, para onde ele vai vender. Essa é a realidade de grande parte dos profissionais que trabalham com o jornalismo strictus senso, de redação mesmo.


E, às vezes, a formação não leva esses aspectos em conta. Ela tenta tratar o profissional como um super-heroi, que precisa se atualizar o tempo inteiro, buscar referências, mas não leva em consideração esse limite humano - dormir bem, comer bem, estar ok com o seu corpo, estar com a cabeça tranquila, isso tudo tem que fazer parte deste mundo em que a gente vive. E a nossa formação, pelo menos a minha, nunca tocou nisso.


A gente está vivendo uma época de tensão, de angústias, sofrimento psicológico, que leva muitos colegas à depressão, ao suicídio. E isso tudo é jogado embaixo do tapete. Ninguém fala abertamente sobre isso, sendo que isso é muito sério. E não é ‘muito sério’ só para a pessoa estar bem, feliz na vida. É para a pessoa trabalhar bem, produzir legal, com a cabeça tranquila, para ser criativa, para ser inovador.


A gente precisa considerar esses aspectos que vêm de fora, que são mais amplos, que não está relacionado só com o jornalismo. O mundo está em transformação e isso está gerando angústias. E a gente precisa, como jornalistas, pensar de uma forma mais crítica e consciente sobre. Até porque o jornalismo hoje tem essa coisa do imediato - aqui, agora; quantos compartilhamentos deu, quantas curtidas, qual é o melhor horário para publicar, pageviews… Assim, é esquizofrênico, ainda mais para quem depende disso, de metas e audiências para sobreviver. É terrível!


Quando eu falo que a gente precisa trabalhar na formação do jornalista é conversar sobre saúde mental e bem-estar pessoal, é discutir o que há de amplo na sociedade e o que incide na nossa profissão, como é que a gente pode pensar alternativas. Eu acho que, infelizmente, não é só isso, ninguém faz isso.


E eu, que fiz mestrado, vi que muita gente vai ficando doente, vai ficando mal, não consegue… É uma pena, mas a gente precisa falar. Às vezes a luta política também é uma luta pelo ‘eu’.


Esse ponto é principal e muito negligenciado, até porque não existe mundo sem gente e “as gentes” do mundo não estão bem…

Exatamente! Você trata os movimentos sociais como massa ou um conjunto harmônico de pessoas, mas, na verdade, são vários “eus”, com angústias pessoas e tal…



E o que é a universidade pública para você?

A universidade pública, para mim, é um sonho. Minha mãe não fez nem o ensino fundamental, meu pai era torneiro-mecânico. Eles tiveram uma vida muito difícil e lutaram muito para que a minha vida fosse melhor. Eu sou o caçula da família, e a minha vida foi melhor mesmo - nunca me faltou nada, mas as minhas irmãs mais velhas pegaram uma fase mais complicada.


Eu lembro quando eu cheguei aqui na UNESP, para mim era um sonho… Pô, faculdade pública, passei no vestibular, entendeu? E eu lembro que teve uma roda de conversa com os quarenta alunos da turma e perguntou: “o que você acha da UNESP?”


Eu e o Pastor, que até hoje é um grande amigo, estudamos em escola pública, fizemos a maior correria para chegar aqui, e a gente foi sincero na resposta: “pô, isso aqui é demais, ralei pra caramba para entrar no vestibular, estudava enquanto estava no treino lá em São Paulo…”


Aí, uma menina do lado disse “ah, eu nem estudei para a prova, não estava muito a fim”. Isso me marcou muito, essa coisa da desigualdade, né. E isso foi logo na semana primeira de aula, eu pensei “olha, que loucura: tô aqui, cheguei suando sangue, e a menina nem estudou!”.


Você vê o nível da desigualdade, e a universidade pública tem essas tensões. E a gente que vem de uma trajetória de trabalho, de luta, de pessoas negras, quilombolas, indígenas - essa turma valoriza mais o espaço, e tende a aproveitar mais, construir mais. É natural porque para gente a universidade pública é a nossa própria vida.


A minha relação com a UNESP, com a USP, que é onde eu estou hoje, com as ETECs, com as escolas municipais, é uma relação de gratidão. E a gente tem que lutar, não dá para ficar parado e deixar os discursos que falam que esses espaços não prestam aí. Quem fala que quer privatizar toda a educação nunca viu o tanto de coisas que são feitas para criar alternativas para os alunos.



E o futuro? Pensa em seguir carreira de docência?

É o meu plano, que é difícil, né. Eu tenho que conciliar o trabalho com os estudos do doutorado. Muitas pessoas que vão para a carreira acadêmica se dão o direito de ter uma vida de estudante, né. Mas não é o meu caso, vou estudar no contraturno, a noite e tal. Esse é o meu objetivo: vou prestar o Doutorado, já até cursei algumas aulas esse ano, e tô confiante de ser professor quem sabe um dia da UNESP…



Isso que ia perguntar, se você gostaria de ser professor aqui…

Quem sabe um dia. Eu me sinto bem aqui, me sinto bem na ECA também, mas aqui eu me sinto mais. Aqui na UNESP eu me sinto em casa, mas não sei porquê e não tem explicação, não. Eu entro aqui e fico tranquilo, sabe? Agora, se eu estou lá na ECA, se eu vou na TV USP, por exemplo, você fica mais “comportado”, como manda o figurino,


Mas esse é o meu sonho, ser professor universitário de universidade pública. É o meu objetivo de vida e é o que estou buscando.


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