Mariana Nogueira Batista é formada em Ciências Biológicas pelo Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas (IBILCE) da Unesp, câmpus de São José do Rio Preto. Ela também é mestre e doutora pelo mesmo instituto, mas passou parte de seu doutorado na Rockefeller University (EUA), onde foi orientada pelo prof. dr. Charles Rice, que acaba de ser nomeado como Prêmio Nobel na área da Medicina. Atualmente, ela continua sendo supervisionada por Rice, pois desenvolve sua pesquisa de pós-doutorado em seu laboratório.
A pesquisa que resultou no prêmio Nobel é de 1997 e foi realizada por Rice e mais dois pesquisadores Harvey J. Alter e Michael Houghton, eles descobriram o vírus da Hepatite C. Mariana já estudava sobre o vírus dessa doença na Unesp, antes de seu contato com o pesquisador e com a Rockefeller University, onde está desenvolvendo ainda mais sua pesquisa.
Mariana Bastista e Charles Rice na Universidade Rockefeller (EUA)
A egressa atuava no Laboratório de Estudos Genômicos (LEGO) do IBILCE, seu estudo era voltado para o desenvolvimento de antivirais. Atualmente, no laboratório do Dr. Charles Rice, o “Laboratory of Virology and Infectious Disease” (Laboratório de virologia e doenças infecciosas), também conhecido como “Rice Lab”, Mariana ainda continua pesquisando sobre o vírus da Hepatite C, buscando avanços científicos que ajudarão no combate contra a doença. Charles Rice é um grande nome na área de Virologia, ele também foi responsável por um estudo sobre o clone infeccioso do vírus da Febre Amarela, o que resultou na vacina dessa doença. Mariana conversou com a equipe do Alumni sobre como é trabalhar com o pesquisador Charles Rice, sobre a importância de sua pesquisa e também sobre a sua relação com a Unesp e suas saudades do IBILCE.
Como surgiu a oportunidade de ser orientada pelo Charles Rice?
A oportunidade surgiu, na verdade, de uma necessidade. Quando eu iniciei a busca por supervisores de doutorado, estava buscando aprimorar minhas habilidades em virologia e como minha maior expertise era o estudo do vírus da Hepatite C, restringi minha busca a
pesquisadores internacionais que trabalhavam com esse vírus. Como o investimento em Ciência no país vinha sofrendo grandes cortes, uma alternativa seria ir para indústria e a experiência que eu tinha, ainda não era suficiente para preencher as vagas na Indústria de desenvolvedores de antivirais.
Coincidentemente, naquele ano (2016), o Dr. Charles Rice deu uma palestra sobre um novo modelo murino para o estudo de Hepacivirus (gênero ao qual pertence o vírus da Hepatite C) no Congresso Brasileiro de Virologia e minha orientadora da época, Dra. Paula Rahal o conheceu pessoalmente. Então, em uma tentativa um tanto ousada, mandamos um e-mail demonstrando meu interesse em aprender mais sobre o modelo murino para hepacivirus. Inesperadamente, o Dr. Charles Rice foi extremamente rápido e generoso em sua resposta, traços fortes em sua personalidade e marcou uma entrevista comigo. Falamos sobre objetivos de ciência e de vida, ele discorreu calmamente sobre as linhas de pesquisa que seu laboratório desenvolvia e eu sobre meus objetivos como pesquisadora. Assim, ele me aceitou em seu laboratório e quatro meses mais tarde, eu embarcava para Nova York para descobrir um mundo gigantesco de Ciência e culturas.
Hoje, você trabalha no mesmo laboratório que ele? Quais são as funções de vocês?
Sim. Eu faço parte do grupo de Pós-doutorandos associados ao “Rice Lab”, o apelido do Laboratory of Virology and Infectious Disease, na Rockefeller University. O Dr. Charles Rice é o Pesquisador Principal, o chefe do Laboratório. Ele supervisiona todos os projetos, eu
trabalho em uma linha específica de patogênese e imunidade associadas aos vírus, majoritariamente o hepacivirus. O Dr. Rice é um supervisor extremamente presente e engajado com todos os projetos e está sempre disponível para conversar e discutir resultados e hipóteses. Não existe um único dia que ele não tenha uma solução genial para qualquer empecilho científico que você encontre. Ele é uma grande inspiração como pesquisador e também como líder. Ele treina as pessoas de uma maneira que elas encontrem o melhor de si e nos dá quase que total liberdade para completar nossas metas, nos encorajando e dando apoio ao mesmo tempo que espera dedicação e rigor científico. Parafraseando uma amiga, ele acredita em ser livre em Ciência e livre de ego. É um prazer imensurável poder conviver com ele diariamente.
Como está sendo para você a experiência de trabalhar nesse laboratório?
Ser parte do “Rice Lab” é uma experiência intensa, o nível de conhecimento diário que você
recebe num laboratório como esse é extremo. No começo, confesso que achava que não conseguiria absorver toda essa informação, a Rockefeller também é incrível em proporcionar um ambiente científico de alta qualidade. Eu sou extremamente feliz e grata por todas as oportunidades que tenho recebido ao longo da minha vida. Tive oportunidades dentro da Ciência que eu jamais imaginaria, fui treinada por grandes virologistas que, antes, conhecia somente pelo sobrenome e hoje têm rostos na minha memória, tive aulas e palestras incríveis e uso no dia-a dia técnicas de altíssima tecnologia que respondem perguntas muito profundas. Encontrei no “Rice Lab” muito estímulo e ferramentas para proporcionar e impulsionar novas descobertas, reencontrei perguntas científicas antigas que, hoje, consigo responder com mais amplitude. Sem contar a pessoa generosa e parceira que o Dr. Rice é e os membros do laboratório são retratos vivos da convivência com ele.
Você pode explicar um pouco sobre sua pesquisa e qual a importância dela?
Trabalho tentando preencher algumas das partes do quebra-cabeça da Hepatite C que ainda faltam. Hoje, não temos vacinas licenciadas para evitar a infecção pelo HCV (vírus da doença), ele é diferente de outros vírus, é possível se reinfectar com HCV. Além disso, o câncer de fígado, que é o principal causador de morte pela infecção crônica, não está diretamente relacionada à eliminação do vírus. Pacientes tratados e curados ainda tem o potencial de desenvolver câncer de fígado. O estudo que desenvolvo busca entender o porquê disso acontecer e, também, responder de maneira mais ampla como funciona a resposta imune contra esse vírus. Essas respostas ajudarão a desenvolver métodos de detecção de dano hepático causadas em etapas mais iniciais da doença, tratamentos mais eficientes para o câncer de fígado causado por esse vírus, bem como podem ajudar no desenvolvimento de vacinas mais eficientes, que possam prevenir a infecção por HCV.
Como a Unesp contribuiu para sua formação pessoal e profissional?
Eu sou um filhote do IBILCE basicamente, me formei bióloga e virologista pelo Instituto. Todas as bases teóricas de bioquímica, biologia molecular, imunologia que uso todos os dias, vieram dali. O mesmo serve para técnicas, na prática, aprendi tudo do melhor
que o Brasil podia oferecer. No IBILCE amadureci pessoalmente, aprendi a trabalhar em grupo e pelo grupo. O ambiente é muito acolhedor, tão acolhedor que é difícil sair do Instituto. Espero que as pessoas que ainda estão por lá prezem pelo crescimento e manutenção da alta qualidade do ensino e pela propagação da coletividade que o câmpus inspira.
Quais são suas saudades da Unesp?
Da graduação, sinto saudade da cantina do Gil e do Marcão, onde a turma 53 se reunia e onde eu sempre acabava parando por muitos almoços com minhas fiéis escudeiras, a Té e a Carol. Sinto falta das semanas da Biologia e do Coquetel da Biologia. Mais tarde, na pós graduação, sinto saudade do RU e dos almoços na cozinha do LEGO, que era o momento em que eu parava um pouquinho e podia bater um papo com meus amigos do laboratório. Mas de todas as saudades, estar no LEGO, no laboratório Central, passando frio (risos) e fazendo rolo, é minha maior saudade, porque lá além de aprender a fazer ciência, fiz grandes amigos que carrego até hoje (Ana, Bia, Bru, André, Gui, Rê e etc).